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Joel Birman acredita que pandemia ressaltou ‘tradição escravocrata’ do Brasil

Saúde

Joel Birman acredita que pandemia ressaltou ‘tradição escravocrata’ do Brasil

Entre as consequências do isolamento e do “novo normal”, Birman acredita que a pandemia deixará um rastro de melancolia e depressão

Joel Birman acredita que pandemia ressaltou ‘tradição escravocrata’ do Brasil

Foto: Reprodução / Youtube

Por: Alexandre Galvão no dia 30 de julho de 2020 às 13:44

Médico psicanalista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Joel Birman acredita a pandemia causa pelo novo coronavírus ressaltou a “tradição escravocrata do Brasil”. Para exemplificar seu pensamento, relembrou de dois casos recentes: do casal que desrespeitou um agente da prefeitura no Rio de Janeiro e disse que era “engenheiro civil, formado, melhor do que você” o caso do desembargador em Santos, São Paulo, que desrespeitou guardas municipais ao ser multado por transitar sem o uso de máscara.

“A pandemia promoveu no nível nacional e até internacional certas redes de solidariedades, as ONGs e sites que distribuem  alimentos para trabalhadores informais, tivemos isso e tivemos o contraponto, uma espécie de reativação da longa tradição da Casa-Grande e Senzala quando se retoma aquilo do ‘você sabe com quem está falando?’. Para essa gente, ser engenheiro é melhor do que ser cidadão. O nosso desembargador fala com o guarda em francês e liga para o secretário para dar a carteirada. Essa é nossa longa tradição escravocrata. Isso explica a desigualdade social, onde os mais pobres pagaram mais caro a conta da pandemia do que a classe média e a elite. São as crianças pobres que não podem ir para às escolas, as crianças ricas fazem cursos online. Tivemos reprodução caricata das nossas desigualdades. Tivemos uma espécie de anti-solidariedade no atacado e uma solidariedade no varejo”, afirmou, em entrevista a Mário Kertész e Malu Fontes, hoje (30), na Rádio Metrópole.

Birman criticou ainda a condução sanitária da pandemia feita pelo governo brasileiro. De acordo com ele, a escolha econômica está se sobrepujando à ciência. “No Brasil, diante de uma condução equivocada da crise, sem respeito ao discurso da ciência, à vida das pessoas, onde a gente flexibiliza as condições sanitárias sem a curva pandêmica estar em queda... aqui flexibilizamos com 1.050 mortos por dia. É completamente absurdo e surreal o que estamos vivendo. Dizia o dr. Miguel Nicolelis: ‘Se Salvador Dalí estivesse vivo, ele ficaria aquém da surrealidade brasileira de hoje. Está se escolhendo a bolsa e não a vida. Temos 90 mil mortos e 2,5 milhões de infectados. São números similares à política americana, 150 mil mortos. Essa opção foi equivocada e o efeito disso tem uma política genocida em jogo. É, ao mesmo tempo, mais surpreendente ainda como esse vírus da política de extrema-direita nos conduz para essa montanha de cadáveres que estamos acumulando”, opinou.

O psicanalista prepara um livro, acompanhado de outros estudiosos, que defende uma nova marcação de mudança de século. Para ele, o século XXI começa agora, com a pandemia da Covid-19. “Tenho sustentado uma ideia de que a mudança do século não é propriamente para ser considerada pela cronologia do tempo, mas quando o evento ganha dimensão de um acontecimento. aquilo que prova ruptura histórica. O século 21 começou com a pandemia do covid-19 pela extensão de descontinuidade que provocou. Podemos dizer que estramos diante de um acontecimento que não podemos mensurar a sua magnitude”.

Entre as consequências do isolamento e do “novo normal”, Birman acredita que a pandemia deixará um rastro de melancolia e depressão, por conta das consequências econômicas. “As pessoas são enterradas de forma sumária, onde os enterros perdem o ritual, muitos são enterrados em fossas coletivas. No norte do país os cadáveres empilhados dias como se fossem bois dentro de carros. Se há dois danos que vão ficar por muito tempo dessas produção de sofrimento, é a melancolia e a depressão que vem do desemprego, que já é devastador, mas vai ser ainda pior”.